Neyde Maria Maia Lopes - A Fera da Penha

A história a seguir contém descrições de crimes extremamente violentos: sequestro, assassinato, carbonização e violência contra a criança. Não é indicada para pessoas sensíveis e é recomendada para maiores de 18 anos.

“Por que você está me perguntando isso? Quer saber? Eu só não matei a família toda porque não tive tempo”  

Neyde Maria Maia Lopes – depoimento.  


Neyde Maria Maia Lopes, nasceu no dia 02 de março de 1937, na cidade do Rio de Janeiro. Neyde é filha de Benjamin Lopes e Cândida Maia Lopes, e irmã de Marilda Maia Lopes.  

 

A infância de Neyde foi bastante conturbada e cheia de abusos, pois os seus avós a maltratavam frequentemente. Além disso, ela era proibida de brincar com outras crianças, a desculpa de seus pais era a de que não era seguro. Consequentemente a falta de afeto, contato com outras crianças e carência de brincadeiras infantis comuns, a transformou em uma criança solitária.  

 

Durante sua adolescência, Neyde começou a ler contos e romances policiais, e os livros passaram a ser sua companhia em tempo integral. Ela chegou a ter um namorado, mas não durou muito tempo, pois segundo relatos, Neyde não se sentia livre no relacionamento.  

 

Já na vida adulta, com cerca de 22 anos, Neyde conseguiu um emprego na empresa Ducal, que ficava localizada no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Para chegar ao trabalho Neyde dependia do transporte público onde aproveitava para ler os seus livros durante o trajeto. Em meados de 1959, Neyde conheceu Antônio, um cara atraente que sempre pegava o mesmo transporte que ela.  

 


Os dois trocavam alguns olhares durante as viagens de ônibus até o trabalho, até que um dia Antônio a abordou. Com o tempo eles passaram a conversar todos os dias no trajeto para o trabalho e logo em seguida iniciaram um romance. 


 

Antônio tinha 27 anos, trabalhava como motorista de ônibus no bairro de Fátima e era um homem muito bonito. Durante cerca de 3 meses, isso era tudo o que Neyde sabia sobre ele. E a medida em que eles se conheciam mais, os encontros foram progredindo do trajeto para o trabalho, a quartos de hotéis e outros lugares românticos do Rio de Janeiro. 

 

Tudo parecia certo para Neyde, até o dia em um senhor de mais ou menos 50 anos, a abordou no ônibus e disse conhecer Antônio. Neyde ficou sem entender o motivo da abordagem, até que o senhor contou a ela que Antônio, na verdade, era um homem casado e que tinha duas filhas.  

 

Neyde não podia acreditar naquela informação. Ela havia se apaixonado por um homem casado que já era pai. A dúvida sobre a tal informação não saiu da cabeça de Neyde, então ela começou a investigar se aquilo tudo era verdade.  

 

Depois de algum tempo Neyde descobriu que o nome completo de Antônio era Antônio Couto Araújo, descobriu que ele nasceu na Bahia, que a sua esposa se chamava Nilza Coelho, e suas duas filhas se chamavam Tânia e Solange. 

 


Após tais constatações, Neyde passou a seguir Antônio, e descobriu onde ele morava. Durante algum tempo ela passou a observar a rotina do casal e das filhas, e a Rua Antônio Vargas, em um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro passou a ser o lugar em que Neyde mais passava o seu tempo. 

 

No final de 1959, após observar a família por um tempo, Neyde decidiu se apresentar a Nilza, esposa de Antônio, se passando por uma antiga colega de classe. Nilza não a reconheceu, mas permitiu que Neyde entrasse em sua casa, pois ela lhe pareceu bastante simpática.  

 

Com o tempo as visitas passaram a ser rotineiras, e, ao menos para Nilza, elas se haviam se tornado amigas.  

 

Neyde fazia de tudo para saber mais sobre a família, interagia com as meninas, conversava por horas com a Nilza, e sempre fazia perguntas pontuais a fim de (muito provavelmente) descobrir o "ponto fraco" de Antônio, como Nilza jamais imaginaria que as perguntas possuíam segundas intenções, sempre as respondia de bom grado. 

 

Uma das respostas das tais perguntas em especial, foi o que certamente fez com que o desejo de vingança de Neyde tivesse um alvo específico. A pergunta em questão havia sido sobre qual a coisa que Antônio mais ama no mundo. E a resposta de Nilza foi que Taninha, a filha mais nova do casal, era a coisa mais preciosa para Antônio. Taninha tinha apenas 4 anos de idade na época. 

 

O fato de que Antônio mentiu para Neyde sobre ter uma família e ser um homem casado, era de fato algo muito revoltante, afinal, ela se apaixonou e descobriu que tudo era uma mentira. Porém, nada disso poderia significar que ela teria o direito de invadir a vida de Antônio e manipular sua esposa e filhas, convivendo com elas, fazendo visitas, tomando chás da tarde, etc.  

 

Como esse foi um crime brutal as pessoas pareciam querer encontrar um motivo plausível para o ocorrido, então, surgiu um boato na década de 60 de que Neyde ficou tomada pelo desejo de vingança porque Antônio teria - supostamente - a forçado a abortar o filho que esperava dele. Mas essa informação nunca foi comprovada e aparentemente se tratava apenas de uma tentativa de justificar o crime. 

 

De qualquer forma, no dia 30 de junho de 1960, Neyde tomou uma decisão terrível que mudaria a vida e a de muitas pessoas para sempre.  

 

Na manhã daquele dia, Neyde ligou para o instituto Joemar, localizado na Rua Gonçalo Coelho, n. 223, em Piedade, se passando por Nilza, a mãe de Tânia Maria, e disse que uma vizinha chamada Odete passaria na escola para buscar a Taninha mais cedo naquela tarde, pois ela estava doente e estaria impossibilidade de buscar a filha. 

 

Às 14h00 Neyde chega ao instituto se passando por Odete, a suposta vizinha que deveria buscar a Taninha. A diretora do Instituto não achou nada anormal, e apenas perguntou a Tânia se ela conhecia a tal Odete, a criança disse que sim e a chamou de tia. A diretora então liberou a saída de Tânia e seguiu o dia na escola normalmente. 

 

Acho importante pontuar que naquela época não havia a preocupação de hoje em dia com a prevenção e monitoramento das crianças a fim de se evitar sequestros, pois não era comum que coisas assim acontecessem, e como a Taninha reconheceu a mulher e a chamou de tia, a diretora não viu problema. 

 

Posteriormente, ao buscar a filha no final da tarde como de costume, Nilza descobriu que sua filha já havia ido embora, pois a tal vizinha Odete a buscou às 14h00 daquele dia. Nilza se desesperou pois nada daquilo fazia sentido para ela. A diretora tentou esclarecer o que houve e contou todo o ocorrido. Assim que elas identificam que a ligação realizada pela manhã não era de Nilza, a polícia foi acionada e um alerta de sequestro de criança foi passado aos oficiais em serviço.  

 

Durante a tarde daquele dia, Neyde passeou com Taninha em várias ruas e bairros do Rio, comprou bala e pipoca para a criança, e posteriormente comprou um frasco de álcool, que segundo ela seria para fazer uma receita de remédio para inibir resfriado.  

 

Durante algum tempo naquela tarde, foi dito que Neyde ficou na casa de uma amiga e chegou a fazer ligações para a casa de Antônio ameaçando tirar a vida de Tânia, e dizendo como a criança morreria naquele dia. 

 

À noite, por volta das 20h00, Neyde decide levar Taninha para perto de um galpão do Matadouro da Penha. Se tratava de um lugar ermo, com um gramado e nada mais. Foi ali que Neyde atirou à queima roupa na cabeça de Taninha com um revólver calibre 32. Após o disparo ela utilizou o vidro de álcool que havia comprado naquela tarde, para banhar o corpo da criança e ateou fogo em Taninha. Logo em seguida ela fugiu do local. Posteriormente, foi dito que Taninha ainda estava viva quando teve o seu corpo incendiado.  

 

O local em que Neyde assassinou Taninha era cercado por carcaça de animais mortos do matadouro da Penha. Essas carcaças eram devoradas por urubus, e justamente por isso, o local não era muito frequentado e o fluxo de pessoas era quase inexistente. 

 

Mesmo assim, por volta das 23h00 naquela noite, um funcionário do Matadouro da Penha passou com seu cavalo pelos arredores do local em que Taninha fora assassinada, o animal se assustou com os resquícios do que parecia ser uma fogueira. Quando o funcionário se aproximou do local, percebeu que na verdade se tratava de um corpo carbonizado. Ele então acionou a polícia que chegou ao local pouco tempo depois. 

 

Na manhã seguinte o caso estampou a capa de todos os jornais causando uma grande revolta popular. Durante investigações sobre o sequestro e assassinato de Taninha, Antônio acabou confessando à polícia que manteve um relacionamento extraconjugal com Neyde durante 6 meses. A confissão fez com que Neyde fosse considerada suspeita. 

 

No dia primeiro de julho de 1960 Neyde foi levada a delegacia para prestar depoimento sobre o caso. Nesse primeiro momento ela negou qualquer envolvimento com o crime e inclusive disse à imprensa que era inocente. 

 

Porém, após ser confrontada em uma entrevista concedida ao jornalista Saulo Gomes, acabou confessando o crime. 




Neyde então foi detida no 24º distrito, no bairro de Encantado, onde precisou ser transferida rapidamente ao prédio da Polícia Central do Rio de Janeiro, por conta do risco de invasão da delegacia e linchamento por parte da população enfurecida com o caso.  

 

Durante a transferência, cerca de 300 pessoas depredaram uma viatura de polícia, que foi utilizada para despistar a viatura que conduzia Neyde. Nesse momento, a imprensa criou diversas alcunhas para se referir a Neyde e ao caso, mas a mais famosa e utilizada acabou sendo "A Fera da Penha". 


 


Revista da época

Alguns dias depois, ainda durante as investigações, a polícia precisou cancelar a reconstituição do crime, pois centenas de moradores do bairro da Penha se organizaram para linchar Neyde, no local do crime. Mesmo sem a reconstituição do crime, Neyde permaneceu detida até ser transferida para a Penitenciária Lemos Brito, em Bangu, onde permaneceu até a data de seu julgamento. 

 

A sessão plenária do Júri de Neyde ocorreu entre os dias 4 e 5 de outubro de 1963. E, após 16 horas de julgamento, o júri votou pela condenação de Neyde, a considerando culpada pelo sequestro e homicídio de Taninha. 

 

O juiz presidente foi o Dr. Bandeira Stampa, do II Tribunal do Júri, que após a devida dosimetria da pena, proferiu a sentença de 33 anos de prisão, sendo 30 anos por homicídio triplamente qualificado e 3 anos de pena pelo sequestro, com o regime inicial de cumprimento de pena sendo o fechado.  


 

O advogado de defesa recorreu da decisão, mas em 20 de abril de 1964 a decisão foi mantida. 

 

Posteriormente, a pena de Neyde foi revisada e alterada de 33 para 21 anos de reclusão em regime fechado. Após o cumprimento de 15 anos de prisão, foi concedido o Livramento Condicional a Neyde, a qual foi posta em liberdade no dia 9 de outubro de 1975.  

 

Neyde faleceu esse ano, em 02 de maio de 2023 aos 86 anos. Não se teve notícias de um outro crime cometido por ela ao longo da vida. De acordo com algumas fontes de pesquisa, Neyde teria vivido com os seus pais até o falecimento deles, e desde a sua libertação se tornou uma pessoa reclusa, e atualmente vive em um apartamento no Rio de Janeiro.  

 

Taninha foi enterrada no cemitério de Inhaúma. Seu túmulo se tornou um ponto de peregrinação de fiéis de diferentes denominações religiosas, que associam a menina como benfeitora de muitos milagres. 


Túmulo de Taninha

 

Os pais de Taninha permaneceram juntos após a tragédia. Nilza perdoou Antônio e o casal teve mais 3 filhas. Antônio faleceu em 2014 e Nilza em 2020. 

 

O caso contou com algumas produções cinematográficas e cerca de 5 livros foram escritos sobre a triste história de Taninha.


Filmes 

  • Crime de amor (1965), de Rex Endsleigh. 

  • O Lobo Atrás da Porta (2013), de Fernando Coimbra. 

Televisão 

  • Culpado ou inocente (1983) — Rede Bandeirantes. 

  • Linha Direta Justiça (2003) — Rede Globo. 

 

Livros 

  • Os olhos dourados do ódio (1962), de José Carlos Oliveira. 

  • Características do crime esquizofrênico (1965), de José Alves Garcia. 

  • Alguns casos de polícia (1978), de José Monteiro. 

  • Crimes que abalaram o Brasil (2007), de Marcelo F. de Barros, Wilson Aquino, George Moura e Flávio Araújo. 

  • Mulheres do Brasil, a história não contada (2018), de Paulo Rezzutti.


GALERIA DE FOTOS







  

Fontes de pesquisa:

https://core.ac.uk/download/pdf/33533772.pdf

https://extra.globo.com/tv-e-lazer/a-fera-da-barra-413932.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Fera_da_Penha

http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=7007&url=http://memoria.bn.br/docreader#

http://saulogomes.com.br/fera-da-penha/



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Por Thainá Bavaresco.

Comentários

  1. Uma informação a ser modificada nesse artigo é que a Neyde morreu no início desse ano, mas tirando isso, é um ótimo artigo, bom trabalho!

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    1. Oie, tudo bem?? Ahh valeu, vou atualizar o post, embora eu tenha publicado em julho, a pesquisa e texto foram finalizados em abril desse ano e vi que ela faleceu em maio :( de toda forma, obrigada por avisar e comentar por aqui!

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  2. Eu vejo frequentemente nos comentários do YouTube e em outros artigos, que a Neyde apenas cometeu esse crime bárbaro porque o Antonio a fez abortar. Essa informação procede?

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    1. Então, no texto eu abordo essa questão, mas como não encontrei nenhuma informação que confirme essa "motivação" para o crime, trato como uma suposição.

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