A Chacina da Família Pesseghini

A história a seguir contém descrições de crimes extremamente violentos e assuntos delicados sobre um suposto suicídio. Não é indicada para pessoas sensíveis e é recomendada para maiores de 18 anos. 

É mentira. É lógico que não foi o Marcelinho. (...) Ele amava a todos e jamais faria isso. Sequer sabia atirar ou dirigir." 

Maria José Uliana Pesseghini, 
avó paterna de Marcelo Pesseghin 


É sempre difícil lidar com casos como o que vou contar hoje para vocês, mesmo trabalhando na área criminal há alguns anos não consigo me acostumar com o grotesco. Especialmente quando conseguimos perceber pontos nitidamente controversos que colocam a prova quase toda a investigação policial. 

 

Antes de entrarmos no fatídico dia em que o crime aconteceu acho importante conhecermos um pouco sobre as pessoas envolvidas nessa história, começando por Marcelinho. 

 

Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, foi um garoto alegre, carinhoso e contido, segundo a descrição de sua personalidade feita por familiares e vizinhos, Marcelinho não era muito de falar com estranhos e pessoas de fora de sua família, mas amava brincar com a sua avó. 

 

Ele tinha 13 anos de idade quando supostamente se suicidou depois de (hipoteticamente) ter matado os seus pais, Andreia Regina Bovo Pesseghini que era cabo da 1.ª Companhia do 18.º Batalhão da Polícia Militar de São Paulo e Luis Marcelo Pesseghini que era sargento da ROTA na época dos fatos. 

 

A ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) é uma tropa do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, além de fazer parte do 1º Batalhão de Policiamento de Choque Tobias de Aguiar. A ROTA foi criada no dia 1 de dezembro de 1891, mas a sua fundação oficial só aconteceu no dia 15 de outubro de 1970. 

 

Benedita Oliveira Bovo era a avó materna de Marcelinho, ela morava com sua irmã, Bernardete Oliveira da Silva em uma casa no mesmo terreno em que Marcelinho e seus pais moravam. Inclusive, essa era a avó em que os familiares e vizinhos afirmaram que brincava e cuidava de Marcelinho todos os dias. 

 

No dia 5 de agosto de 2013, uma segunda-feira, todos membros da família Bovo Pesseghini mencionados, foram mortos. Os corpos foram encontrados na noite do dia 05 de agosto dentro da casa onde moravam na zona norte de São Paulo. 

 

Luis Marcelo Pesseghini, tinha 40 anos idade no dia em que foi assassinado. Ele era um policial militar e sargento da ROTA, treinado e bastante experiente. Sua esposa, a cabo Andreia Regina Bovo Pesseghini, tinha 35 anos no dia em que foi morta. Ela também era uma policial treinada e experiente.  

 

O filho do casal de policiais, Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, conhecido como Marcelinho, tinha apenas 13 anos de idade quando também foi encontrado morto, assim como sua avó Benedita Oliveira Bovo que tinha 65 anos de idade, e sua irmã Bernardete Oliveira da Silva de 55 anos. Eles foram velados na tarde do dia 6 de agosto de 2013 no Cemitério Gethsêmani Anhanguera, localizado na rodovia Anhanguera. 


 

Todas as cinco vítimas foram mortas com um tiro na cabeça, com exceção de Andreia, que foi atingida por um tiro a "queima-roupa" na numa, de acordo com informações do boletim de ocorrência. 

 

(A expressão "tiro à queima-roupa" é comummente utilizada em execuções onde qualquer arma carregada é disparada a menos de 50 centímetros da vítima para garantir a "total" carbonização do local disparado). 

 

A linha principal de investigação da polícia trabalhou desde o início com a hipótese de ter sido Marcelinho o autor dos assassinatos, e considerou o crime como sendo "familicídio". 

 

Juridicamente o termo "familicídio" não é considerado um tipo penal, em textos (e episódios anteriores já expliquei o que é um tipo penal, então convido você a conferir), mas em linhas gerais, o conceito de familicídio é um tipo de homicídio ou assassinato-suicídio em que um membro da família mata pelo menos um cônjuge e um ou mais filhos, além de outros membros de uma mesma família. 

 

A chefe do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) - órgão da Polícia Civil-, a delegada Elizabete Sato, afirmou que não foram descartadas outras hipóteses, como crime passional ou vingança. De acordo com ela, o local do crime não estava preservado para perícia, pois quando policiais civis foram atender a ocorrência, no dia do crime (5 de agosto de 2013), pouco depois das 18h00, cerca de 200 policiais já tinham entrado na casa onde a família foi morta. 




A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo também confirmou que a cena do crime onde ocorreu a chacina da família Pesseghini não estava totalmente idônea para a perícia do local, mas eles acrescentaram que: “isso, evidentemente, não quer dizer que houve violação proposital da cena do crime”. 

 

Porém, cenas de crimes não preservadas, inidôneas ou violadas: são aquelas em que, após a prática de uma infração penal e antes da chegada dos peritos no local, apresentam-se alteradas, quer nas posições originais dos vestígios, quer na subtração ou acréscimos destes, modificado de qualquer forma o estado das coisas e dessa forma, "contaminando" a cena do crime. 

 

Se Marcelinho tivesse sido o autor do crime, somente ele teria o interesse em alterar a cena do crime. Mas, não teria como ele fazer as alterações após ter cometido suicídio. Além disso, segundo a perícia realizada no local, todo o sangue nas paredes e do teto do ambiente foram limpos. Como um garoto de 13 anos conseguiria limpar o sangue do teto de uma casa? 

 

Também foi realizado um exame pericial residuográfico, que é feito para identificar vestígios de pólvora. E o resultado foi negativo. O exame não acusou qualquer vestígio de pólvora nas roupas e mãos de Marcelinho, o exame também foi feito em luvas que a polícia apontou como sendo luvas que Marcelinho utilizou para cometer os homicídios, mas também não foram identificados vestígios de pólvora. 

 

Em decorrência da quantidade de perguntas não esclarecidas e da necessidade de averiguação de dados referente à quebra do sigilo telefônico dos celulares encontrados na casa, o promotor que cuidou do caso na época, o Dr. Luiz Fernando Bugiga Rebellato deu parecer favorável a um novo pedido de prorrogação das investigações por mais trinta dias.  

 

Posteriormente foi realizado um laudo psiquiátrico sobre o perfil de Marcelinho (exame de insanidade mental póstumo retrospectivo), esse laudo foi feito com base em depoimentos e entrevistas de algumas pessoas que não eram da família de Marcelinho, e foi assinado pelo psiquiatra forense Guido Palomba, foi apontado por ele que Marcelinho sofria de uma "encefalopatia hipóxica" que seria a falta de oxigenação no cérebro, podendo causar, segundo o psiquiatra, "delírio encapsulado".  

 

O psiquiatra ainda comparou essa perda da noção da realidade vivida por Marcelinho com a do personagem do jogo Assassin´s Creed, que é uma série de jogos eletrônicos que Marcelinho costumava jogar. 

 

A premissa central da história do jogo envolve-se a partir da rivalidade entre duas sociedades secretas ancestrais: os Assassinos, que desejam a paz através do livre arbítrio, e os Templários, que têm por objetivo a dominação do mundo impondo a ordem na humanidade. 

 

O comparativo feito pelo Dr. Guido teve grande repercussão sobre a influência que os jogos violentos poderiam causar em jovens. Além disso, a foto de perfil do Facebook de Marcelinho era uma foto do jogo, o que fez com que as pessoas começassem a especular sobre o assunto. 


 

Essas especulações tomaram uma proporção tão descontrolada que a própria Ubisoft precisou se manifestar sobre o assunto. 

 

A Ubisoft é uma desenvolvedora de jogos e criadora da franquia Assassin's Creed, em nota ela publicou um comunicado de pêsames à família Pesseghini e refutou a ideia de que o jogo tenha influenciado o Marcelinho a matar a própria família.  

  

Em um trecho da nota eles dizem o seguinte: "Em nenhum estudo até agora realizado há consenso sobre a associação entre a violência e obras de ficção, incluindo livros, séries de televisão, filmes e jogos. É uma falácia associar um objeto de entretenimento de milhões de pessoas, todos os dias, em todo o mundo, com ações individuais e que ainda estão sendo esclarecidas. Novamente, isso é uma tragédia sem sentido e os nossos pensamentos e orações estão com a família e amigos das vítimas. Agradecemos aos fãs da série que manifestaram apoio contra mensagens sensacionalistas associando o jogo à tragédia e convidamos a todos a se solidarizarem com a família e os amigos das vítimas." 


A Polícia Civil, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo concluíram que Marcelinho foi o assassino. Na época do crime 83% dos paulistas não acreditavam na versão oficial dada pela polícia.  

 

A Polícia Militar continuou investigando o caso, mesmo após a conclusão dada pelos demais órgãos. No dia 15 de outubro de 2014, a Polícia Militar pediu ao órgão especial do Tribunal de Justiça uma cópia do relatório do inquérito policial que já tinha sido concluído.  

 

A justificativa assinada pelo major Laerte Fidelis foi a de que existia a necessidade de conclusão da sindicância que apurava os fatos que levantados pela cabo Andréia. A sindicância tentava esclarecer as denúncias de corrupção feitas por ela antes de ser assassinada.  

 

O tenente coronel Wagner Dimas, que disse não acreditar que Marcelinho teria matado a própria família, foi afastado de seu cargo, mas voltou a comandar a unidade um tempo depois. 

 

Esses fatos foram considerados motivos claros de que uma queima de arquivo pudesse ter sido o motivo de toda a família estar morta. E essa nova possível versão repercutiu o mundo todo e jornais e sites de vários países noticiaram o crime, como por exemplo, o jornal britânico Daily Mail que apontou a dúvida lançada na versão da polícia depois que foi revelado que a mãe de Marcelinho, Andreia Regina Pesseghini Bovo, havia denunciado policiais corruptos, que estariam atuando em roubos a caixas eletrônicos, nos meses que antecederam a sua morte violenta.  

 

Além disso, o jornal afirmou que a polícia de São Paulo é conhecida como sendo uma das mais corruptas do mundo, envolvida em numerosos escândalos, esquadrões da morte e execuções extrajudiciais.  

 

Também publicaram sobre o assunto a versão espanhola do site Terra Networks, o Daily Mirror do Reino Unido, Telecinco da Espanha, entre vários outros. 

 

Antonio Carlos Prado, jornalista da IstoÉ que acompanhou o caso, criticou em diversos pontos o modo como a polícia divulgou detalhes do caso à imprensa em 2013, chamando essa prática de "monopólio da informação". 

 

Ele diz que no caso Pesseghini, a polícia declarou tão somente o que quis e da forma que quis. Chegou-se ao ponto de o comando da Polícia Militar declarar que não comentaria o assunto quando se levantou a hipótese de a chacina ser fruto de rivalidades entre os policiais da corporação. O delegado que chefiava o caso reiterava 'tudo está sendo investigado', sem jamais traduzir em provas esse 'tudo' e investigando numa única direção: o crime ser de autoria de Marcelinho. 

 

Ele completa dizendo que: "Quando a sua superiora hierárquica, a delegada Elizabete Sato pôs em pauta as teses de crime passional ou por vingança, não deu meia hora e uma 'nota de esclarecimento' da assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança desdizia tudo."

 
Antonio Carlos Prado ainda analisou informações dadas por testemunhas. Essas informações teriam sido ignoradas pela investigação, mas segundo o jornalista e outras autoridades que mencionarei posteriormente, são imprescindíveis para solucionar o caso. 

 

Uma dessas testemunhas foi uma vizinha que disse ter visto um policial militar fardado e outro homem pulando o muro da casa da família Pesseghini, por volta do meio dia de segunda-feira do dia 5 de agosto 2013. Ao sair da residência os dois comentarem que a família estava morta. Porém, a polícia apareceu somente cerca de seis horas da tarde, com a corporação informando que foi notificada no final da tarde daquele dia. 

 

A vizinha também disse que não acreditava que Marcelinho teria matado a família e que o alvo do assassino era a mãe, por estar "investigando alguma coisa errada na Freguesia do Ó" e ela foi encontrada morta "de joelhos" ao ter implorado para não atirarem. 

 

Ela informou que um carro do modelo Meriva na cor prata rondou durante meses a casa da família Pesseghini e passou informações sobre a residência, do carro e quem a visitava. 

 

O tio de Andreia, que não quis ser identificado, disse que assim que entrou na casa quando os corpos foram encontrados recebeu uma ligação da escola de Marcelinho, na ligação a voz de uma mulher falou, "é a casa do Marcelinho?". E ele disse: "quem quer falar com ele?". Então a mulher diz: "é da escola, é porque o Marcelinho não veio para a escola hoje". 

 

O depoimento desse tio acabou não sendo levado em consideração, porque a polícia atestou que após Marcelinho ter assassinado a família ele foi até a escola dirigindo o carro da família. De acordo com a investigação Marcelinho sabia dirigir e atirar. 

 

Foram apresentados vídeos que mostravam o carro da família chegando próximo da escola e que alguém (de acordo com a polícia - Marcelinho-) teria ficado dentro do carro por cerca de 5 horas até entrar na escola. 

 

Testemunhas como uma professora e colegas de Marcelinho teriam dito que ele não estava com o material escolar naquele dia, e que ele se justificou dizendo que confundiu as mochilas e por isso estava sem o seu material. 

 

De acordo com a polícia, os amigos de Marcelinho disseram que ele confessou ter matado os pais e que ele estava com uma arma na mochila. Ele teria perguntado aos amigos se eles queriam ver a arma, mas ninguém quis ver. 

 

Ainda em depoimento à polícia, os amigos de Marcelinho teriam afirmado que ele era legal, mas que tinha manias irritantes, como por exemplo fingir que estava cortando a garganta de pessoas com uma régua escolar. 

 

Além disso, Marcelinho teria criado um grupo que se chamava "Mercenários" que seria baseado no jogo Assassin's Creed. Só poderia participar do grupo quem matasse os pais e jurasse nunca mais sair. Porém os amiguinhos não teriam dado bola a essa ideia de Marcelinho e tudo teria seguido normalmente. 

 

Nesse mesmo dia em que a polícia afirma que Marcelinho foi dirigindo para a escola o pai de seu melhor amigo o levou embora, pois Marcelinho teria dito que não tinha carona para ir pra casa. 

 

Chegando em casa o pai desse amiguinho estranhou que a avó de Marcelinho não estivesse o esperando na frente de casa, e Marcelinho então teria dito que ela estava dormindo. O pai do amigo estranhou, e o amiguinho supostamente teria começado a chorar e avisado ao pai que nunca mais veria Marcelinho. 

 

Em julho de 2014, foi divulgado em uma reportagem da Band que centenas de horas de gravação, não passaram por perícia e em uma das sequências, é possível observar que à 1h15 da manhã do dia 5 de agosto de 2013 um carro da cor prata (que segundo a polícia era o carro dirigido por Marcelinho após assassinar sua família) estava com um vulto no banco trás, como se tivesse outra pessoa no carro. Também é possível observar um outro veículo com os faróis apagados estacionado na gravação. Esse veículo pisca quatro vezes a sua lanterna traseira e 40 segundos depois dois carros escuros, com películas protetoras nos vidros, passam em baixa velocidade. 

 

Outro vídeo que foi analisado pelo norte-americano Mark Andrews, que trabalha na Law Enforcement and Emergency Services Video Association (Associação de Vídeo de Serviços de Polícia e Emergências) que é uma corporação sem fins lucrativos para treinamento e certificação na ciência da análise de vídeo forense, diz que os vídeos das câmeras de segurança que mostram Marcelo saindo do carro e entrando na escola foram manipulados.  

 

Ele ainda pontua que: faltam trechos do vídeo no tempo de 6:24:41 e 6:24:43. Também foi questionado o motivo da polícia ter feito somente um reconhecimento fotográfico em um vídeo de qualidade duvidosa e concluindo que era Marcelo Pesseghini quem estava no carro e, portanto, na gravação em questão. 

 

O ex-deputado estadual na época do crime e que nos dias de hoje era ex-senador, Major Olímpio Gomes disse que: "Eu recebi de policiais da própria Zona Norte 18° Batalhão, que eu conheço, a informação de que a cabo Andreia foi convidada por colegas para participar do furto de caixas eletrônicos".  

 

De acordo com o Major Olímpio, ele recebeu a denúncia de militares de várias unidades e de diversas patentes no dia 12 de agosto de 2013 que relataram o fato ao coronel Rui Conegundes, comandante da Corregedoria da PM. Segundo esse relato, os policiais disseram que Andreia teria recusado a proposta de formação de quadrilha feita por alguns colegas da corporação e que ela denunciou alguns colegas ao seu superior na época, o capitão Fábio Paganotto, no início de 2012. O capitão investigou o caso, mas não chegou a nenhuma conclusão. Depois disso ele foi transferido do 18° Batalhão para o 9° Batalhão. 

 

Sérgio Olímpio Gomes, conhecido como Major Olímpio, foi presidente da Associação Paulista dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo e diretor da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Como oficial, se formou na Academia de Polícia Militar do Barro Branco no ano de 1982 e exerceu suas funções por 29 anos.  

 

Ele era bacharel em ciências jurídicas e sociais, jornalista, professor de educação física, técnico em defesa pessoal, instrutor de tiro e autor de livros voltados para a questão da segurança. 

 

Além disso, também foi deputado estadual por São Paulo entre os anos de 2007 a 2014. Em 2015 iniciou o seu mandato como deputado federal e em 2018 elegeu-se senador, em ambas as ocasiões representando São Paulo. Ele faleceu no dia 18 de março de 2021 em São Paulo, por complicações da COVID-19. 

 

O coronel Wagner Dimas, comandante do 18.º disse em entrevista à Rádio Bandeirantes que a cabo Andreia, que trabalhava no 18.º Batalhão da Polícia Militar, contribuiu para as investigações que apontavam a ligação de policiais do batalhão com roubo de caixas eletrônicos. Dimas ainda disse que não acreditava na versão de que o menino tenha sido o autor da chacina, mas ponderou que a mãe de Marcelo não vinha sendo ameaçada de morte. Ele afirmou que o depoimento dela não chegou a provocar a punição de policiais.  

 

No dia seguinte, ele voltou atrás e disse que "se perdeu" na entrevista. O recuo foi feito em depoimentos à Corregedoria da PM e ao DHPP (Departamento de Homicídios da Polícia Civil). A Folha de S. Paulo apurou que as declarações de Dimas irritaram o comando da corporação, já que batiam de frente com a investigação da Polícia Civil.  

 

Sobre esse fato o Major Olímpio disse: "Obviamente, ele foi pressionado pelos seus superiores, porque não havia mais o registro oficial da denúncia feita por Andreia. Ele acabou sendo destroçado administrativamente pela Secretaria de Segurança Pública ao recuar na sua declaração. Não podemos desprezar nenhuma possibilidade para a elucidação da chacina de uma família de policiais, nenhuma linha de investigação".  

 

O coronel Wagner Dimas acabou sendo afastado do comando do batalhão, porém, a Polícia Militar disse que foi Dimas quem solicitou o afastamento por motivos médicos, mas que ele continua no comando da unidade. 

 

Em entrevista para a revista Isto É, o Major Olímpio Gomes declarou: "Ainda na cena do crime, vários PMs que trabalhavam com Andréia vieram me dizer que poderia se tratar de uma "treta de polícia", ou seja, jargão policial que significa vingança de policial corrupto contra o honesto. Um dos comandantes ainda chegou a me dizer que era bem possível que o autor dos crimes estivesse lá, entre nós, fingindo uma cara triste. Estão querendo destruir a carreira dele, (do coronel Wagner Dimas) o chamaram de louco, mas eu confirmo que essa denúncia é verdadeira." 

 

Ficou evidenciado que a corporação deu um jeito de "arquivar" a sindicância que apurava a denúncia feita pela cabo Andreia Bovo Pesseghini, porém, após o seu assassinato e de sua família a investigação acabou denunciando o esquema de policiais militares corruptos.  

 

Porém, apesar da gravidade da denúncia, a Justiça Militar decidiu por não prosseguir com a investigação, informando que a sindicância interna não virou inquérito policial militar.  

 

Mesmo com todas essas "pontas soltas" a investigação sobre a chacina da família Pesseghini também foi considerada solucionada, sendo considerado que Marcelinho assassinou seus pais policiais, sua avó, sua tia-avó e depois teria se suicidado. 

 

Após o fechamento do caso a família Pesseghini tentou por vários anos reabrir o caso, mas nunca conseguiram.  

 

A Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de reabertura do inquérito do caso Marcelo Pesseghini, que a advogada da família, Dra. Roselle Soglio requereu no dia 14 de julho de 2014, uma nova apuração por parte da Promotoria para tentar comprovar a inocência do garoto e confrontar a versão apresentada pela Polícia Civil. A advogada recorreu da decisão e também encaminhou pedido à Procuradoria-Geral da República para a federalização da apuração, defendendo que houve violação dos direitos humanos do menor acusado pelo crime e de toda a família.  

 

No dia 23 de fevereiro de 2015, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou a reabertura do caso pela segunda vez. A advogada Roselle Soglio recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) e pediu a federalização na Procuradoria-Geral da República afirmando "que só investigaram uma hipótese: a de Marcelo ser culpado". Todos os pedidos de reabertura foram negados. 

 

Os exemplos que a advogada Roselle Soglio levantou para a reabertura do caso foram: 

 

"Testemunha mente em depoimento: A principal testemunha do caso, que afirma que Marcelo Pesseghini sabia dirigir e atirar, disse que a família realizou um churrasco no dia dos assassinatos, mas ingressos de cinema comprovaram que eles passaram a tarde em um shopping center. 

Testemunha se contradiz: Segundo a advogada, essa mesma testemunha dá depoimentos contraditórios: ora diz que viu a mochila de Marcelo, ora diz que não. Ele também afirma e depois nega que a porta da casa da família estivesse fechada. 

 

Avós paternos não foram ouvidos: Os pais do sargento da Rota Luis Marcelo Pesseghini, Maria José e Luiz Carlos, não foram chamados para depor. Eles dizem ter certeza de que o neto é inocente e que ele não sabia dirigir ou atirar. 

 

Registro de ligações telefônicas foi adulterado: A principal testemunha diz ter encontrado os corpos por volta das 18h. O laudo do IC (Instituto de Criminalística) indica que os registros de ligações do telefone de Luis Marcelo foram apagados, e o aparelho só voltou a registrar telefonemas e mensagens por volta das 18h20, o que indica que alguém apagou a agenda. Segundo a advogada, várias pessoas ligaram para Luis Marcelo ao longo do dia, mas isso não foi investigado. 

 

Parecer psiquiátrico encomendado a profissional externo: A advogada questiona a decisão do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, em solicitar que o psiquiatra Guido Palomba emitisse um parecer sobre a condição mental de Marcelo, uma vez que o IML (Instituto Médico-Legal) e o IMESC (Instituto de Medicina Social e de Criminologia) possuem psiquiatras forenses.  

 

Ela diz que houve uma usurpação de função pública, crime previsto no artigo 328 do Código Penal, já que era necessária a negativa dos órgãos oficiais do Estado para se pensar em "convidar" um profissional para realizar um parecer técnico. 

 

Laudo psiquiátrico construído sem informações dadas por familiares: A advogada diz que o psiquiatra não ouviu os familiares da vítima, não teve acesso ao prontuário médico do examinado (por via judicial ou mesmo através de familiares) e utilizou apenas as peças do inquérito fornecidas pelo delegado e entrevistas dadas por terceiros. 

 

Imagens não foram periciadas: As imagens registradas por câmeras de segurança de cerca de 17 DVDs foram anexadas ao processo somente após o relatório final do delegado e não passaram por perícia. Dentre elas, há um vídeo que mostra um vulto saindo do carro que supostamente era dirigido por Marcelo Pesseghini. 

 

Página no Facebook: Uma página no Facebook em homenagem ao pai de Marcelo, criada antes do horário em que os corpos foram descobertos, foi atribuída a um garoto de 15 anos que diz ter feito a publicação com outro nome. A polícia acatou a justificativa. A advogada questiona por que a investigação não tentou comprovar o fato com a rede social. 

 

Mistério sobre celulares de pai e filho: A defesa afirma que a polícia não pediu às operadoras de celular o rastreamento dos telefones de Marcelo e da testemunha do churrasco no dia 4 de agosto de 2013, com bases nas torres das ERBs (Estações Rádio Base). Na investigação do assassinato da advogada Mércia Nakashima, o ex-policial Mizael Bispo, agora condenado pela Justiça, essa informação do telefone o colocou na cena do crime. 

 

A advogada questiona o afastamento, por problemas de saúde, do Comandante do 18º Batalhão da PM Wagner Dimas logo após dar declarações à imprensa de que a cabo da PM Andreia Pesseghini, mãe de Marcelo, teria denunciado policiais envolvidos em roubo de caixas eletrônicos. 

 

Local do crime foi alterado: A advogada questiona as declarações do DHPP de que o local do crime fora preservado, mas os laudos necroscópicos apontam que a casa dos Pesseghini foi invadida por dezenas de pessoas, inclusive policiais. 

 

Lesões na mão de Marcelo: Marcelo apresentava lesões de defesa na mão que não foram analisadas. Além disso, o perito assinala manchas de sangue com características de espargimento (gotas projetadas com alta velocidade) na face interna da mão do garoto. Não há possibilidade de isso acontecer quando se está empunhando a arma, argumenta a advogada. 

 

Laudo põe em dúvida quem apertou o gatilho: Em laudo complementar, o perito relator do laudo de local afirma que, diferentemente do que consta do laudo inicial, o dedo de Marcelinho não se encontrava no gatilho da arma." 

 

De acordo com o jornalista Antonio Carlos Prado, escritor do "IstoÉ", o caso Pesseghini é "um dos mais mal explicados da história dos crimes no Brasil." 

 

Além disso outros pontos também foram levantados, como por exemplo: 

1) De acordo com a polícia, Marcelinho matou a família em dez minutos. O cadáver de Luis Marcelo, porém, estava em adiantado estado de putrefação, diferentemente dos demais; 

 

2) O sargento Luís Marcelo teria que estar às 5h00 da manhã no Batalhão da ROTA para uma operação. Ele não apareceu e ninguém da equipe procurou saber o motivo do não comparecimento de Luis; 

 

3) Testemunhas afirmaram que viram dois indivíduos em frente da casa de Luis pulando o muro no dia do crime, mas a situação foi ignorada; 

 

4) As manchas de sangue encontradas nas paredes são incompatíveis com tiros efetuados por alguém da altura de Marcelinho; 

 

Um parecer médico-legal enviado em fevereiro de 2014 ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo) aponta "erros inaceitáveis" nos laudos realizados pelo Instituto de Criminalística e contesta a tese de que Marcelinho matou a família e cometeu suicídio em seguida, como aponta a Polícia Civil.  

 

O documento, assinado pelo médico-legista George Sanguinetti, cita que marcas na mão e no braço do menino seriam "lesões de defesa, indicativas de que a criança, antes de ser executada, tentou se defender". 

 

O parecer afirma também que, pela posição que o corpo de Marcelinho fora encontrado, não é compatível com a de um suicídio, e sim, com a de um assassinato.  

  

Ele também afirma que: "o menino toca levemente na arma, enquanto nos suicídios a arma fica fixa na mão. Além disso, a arma fica posicionada na mão esquerda de Marcelinho, e familiares afirmam que ele era destro." 

 
O Médico também afirma com veemência que houve manuseio do corpo e diz: "Tenho mais de 40 anos de medicina legal e posso dizer, com firmeza, que não foi o menino quem atirou. Se não tivesse certeza, não afirmaria isso. Fiz simulações do fato e, em nenhuma hipótese, o corpo fica daquele jeito. A posição da mãe é a de uma pessoa que estava em submissão para execução. Se estivesse em outra posição, não teria caído como caiu, com 85% do peso fora do colchão, ajoelhada. Em todas as mortes, os tiros foram de profissionais. O menino não seria capaz daquilo, mesmo que soubesse atirar." 

 

O psiquiatra forense da USP Daniel Martins de Barros também escreveu em sua coluna no Estadão, que além dessas evidências, o próprio padrão do crime seria muito atípico, já que no parricídio (crime de matar os próprios pais) o autor raramente comete suicídio, enquanto no familicídio (matar membros da família) o criminoso geralmente é o pai.  

 

Kathleen Heide, professora da Universidade do Sul da Flórida, no Estados Unidos também escreveu sobre o assunto e disse que: "são extremamente raros nas estatísticas científicas, ao redor do mundo e ao longo do tempo, agressores tão jovens. Outra característica pouco usual é a morte de vários membros da família de uma só vez. A maioria desses crimes ocorre quando um único filho mata um único parente".  

 

Paula Inez Cunha Gomide, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia e pesquisadora de parricídio no Brasil, diz que: "Marcelo não parece sofrer de um transtorno mental claro nem de personalidade antissocial. O psicopata não se arrepende e o psicótico tem histórico de surtos e alucinações, que teriam vindo à tona". Como Marcelo, na hipótese investigativa atual, teria cometido suicídio após matar os familiares, o caso não se encaixaria no tipo psicopata nem no antissocial. Como uma criança subjuga dois adultos policiais? Por que ele usaria luvas se se mataria depois? Essas perguntas ainda precisam ser respondidas". 

 

Mesmo após todas essas afirmações, as tentativas de reabertura das investigações foram frustradas. 

 

Em 2018 o caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA (Organização dos Estados Americanos).  

  

A OEA é uma organização internacional com sede em Washington, D.C. nos Estados Unidos, na qual as 35 nações independentes do continente americano fazem parte. A OEA foi fundada no dia 30 de abril de 1948, e tem como finalidade a solidariedade e cooperação entre seus Estados membros no Hemisfério Ocidental.  

  

Já a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é uma das entidades do sistema interamericano de proteção e promoção dos direitos humanos nas Américas. Tem sua sede também em Washington, D.C. O outro órgão é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em São José, Costa Rica. A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), que representa todos os países membros da OEA.  

  

Não se tem informações precisas sobre quando os fatos serão apurados pela OEA, mas a família Pesseghini espera conseguir uma conclusão precisa e que aponte o verdadeiro responsável pela chacina dos outros membros da família.


* as imagens utilizadas por esse artigo foram encontradas no Google

Fontes de pesquisa:

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/08/05/caso-pesseghini-faz-5-anos-e-familia-leva-a-oea-provas-para-reabrir-inquerito.ghtml

https://tvefamosos.uol.com.br/videos/videos.htm?id=amigo-intimo-da-familia-pesseghini-denuncia-queima-de-arquivo-04020D983570E4C15326

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/08/tio-mostra-carta-que-filho-suspeito-de-matar-familia-fez-para-o-pai-em-2012.html

https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/familia-quer-levar-a-oea-laudo-dos-eua-sobre-manipulacao-em-video-do-caso-pesseghini.ghtml

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1434502-advogada-contratada-por-parentes-quer-reabertura-do-caso-pesseghini.shtml

https://noticias.r7.com/sao-paulo/caso-pesseghini-laudos-acusam-uso-de-tranquilizantes-20052014

https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_fam%C3%ADlia_Pesseghini

https://www.youtube.com/watch?v=ZlOuuSsQQ1s

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/02/19/parecer-enviado-a-justica-e-ao-mp-contesta-tese-de-suicidio-do-pesseghini.htm

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/homicidio-ou-corrupcao-policial-bizarra-chacina-da-familia-pesseghini.phtml

https://istoe.com.br/caso-pesseghini-marcelinho-e-inocente/

https://www.youtube.com/watch?v=XliCSTieFgg&ab_channel=Fitoria

https://vejasp.abril.com.br/cidades/laudo-diz-que-marcelo-pesseghini-poderia-ter-matado-mais-pessoas/

https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/08/caso-pesseghini-perguntas-respostas.html

https://www.youtube.com/watch?v=AyJsYpyPSr4&ab_channel=SevenSin

https://www.youtube.com/watch?v=gT_sHQ-PB_s&ab_channel=DetetiveAmaral

https://www.terra.com.br/gameon/ubisoft-repudia-associacao-de-morte-de-policiais-com-assassins-creed,d9585ae45ae50410VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

https://www.soglioadvocacia.com.br/noticias-e-artigos/caso-pesseghini-marcelinho-e-inocente/


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Por Thainá Bavaresco.

Comentários

  1. Esperamos que um dia alguém consiga descobrir os verdadeiros culpados dessa chacina, para que a alma desse menino possa descansar em paz

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