Caso Moïse Kabagambe - O Racismo Estrutural e a Guerra do Congo

A história a seguir contém descrições de crimes extremamente violentos: assassinato, tortura, estupro, racismo e crimes de guerra. Não é indicada para pessoas sensíveis e é recomendada para maiores de 18 anos. 



Moïse Mugenyi Kabagambe nasceu em Bunia, na província de Ituri, na República Democrática do Congo. Ele era conhecido como "soldado" e durante a sua infância enfrentou junto de sua família a pobreza e toda a devastação que a guerra pode causar. 

 

Segundo a senhora Ivana Lay (mãe de Moïse), eles são da etnia Hema, envolvida em uma guerra tribal civil com os Lendu, que também são da região de Ituri. 

 

O confronto entre os dois grupos, compostos em sua maioria por pastores e agricultores, teve um período de maior intensidade durante a guerra civil do Congo, também conhecida como a Segunda Guerra do Congo, Guerra Mundial Africana ou a Grande Guerra da África, que foi um conflito armado iniciado em 1998 (ano em que Moïse provavelmente nasceu) e terminou oficialmente em julho de 2003 quando o governo de transição da República Democrática do Congo tomou o poder.  

 

A guerra civil da África é um dos conflitos com o maior número de vítimas desde a Segunda Guerra Mundial, envolvendo diretamente 8 países do continente africano, e cerca de 25 grupos armados. Mais de 3,8 milhões de pessoas morreram em decorrência da fome, doenças e combate direto. Outras milhões de pessoas precisaram deixar as suas casas e buscarem por asilo em países vizinhos (bem parecido com o cenário que estamos vendo hoje com o conflito entre Rússia e Ucrânia - pessoas abandonando tudo por medo da guerra-). 

 

A guerra civil do Congo iniciou no contexto das tensões pós genocídio dos rebeldes hutus de Ruanda, responsáveis pelo assassinato (genocídio) de 800 mil pessoas dos grupos tutsis e hutus moderados em 1994. Após o ataque os rebeldes cruzaram a fronteira e se refugiaram em Zaïre (atual Congo).  

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Ps: os hutus e tutsis são grupos étnicos que vivem em Ruanda, Burundi, Congo, Uganda e Tanzânia. É provável que a divisão entre esses dois grupos tenha raízes sociais, uma vez que os tutsis foram a classe política dominante da região denominada "Grandes Lagos Africanos" desde o século XV até a sua colonização pela Bélgica. Não existem diferenças físicas significativas entre os dois grupos. 

Pois, as etnias Tutsis e Hutus surgiram em grande parte pela divisão criada pelos colonizadores belgas, que era baseada em critérios diversos como altura, cor da pele e formato do nariz. Os belgas para criar essa diferença, procuravam padrões em cada um que fosse mais próximo do estereótipo europeu, os tutsis eram formados por pessoas cujos os narizes fossem mais finos, tivessem a pele mais clara e fossem os mais altos. 



Esse é um exemplo clássico do racismo estrutural presente em nossa sociedade, desde essa época as pessoas eram "classificadas" pela cor da pele e outras características físicas, como se isso pudesse definir caráter ou mesmo a capacidade dessas pessoas. 

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Mas, voltando para o caso: 

Isso ocorreu após a Primeira Guerra do Congo, e, com a fuga dos rebeldes, o governo ruandês estava preocupado com a ascensão dessas milícias hutus na região do Zaïre, já que em 1996, a região estava sendo usada para atacar o seu território. 

 

Em decorrência dessa preocupação, e apoiados por Angola e por Uganda, soldados e milicianos de Ruanda partiram pelo rio Congo e, em 1997, Mobutu Sese Seko, presidente desde 1965, foi forçado a se exilar, e o líder rebelde Laurent D. Kabila passou a ocupar o cargo. Uma das primeiras ações de Kabila no poder foi mudar o nome do país de Zaïre para a República Democrática do Congo.  

 

Kabila, também acabou se dissociando de seus patrocinadores de Ruanda, que passaram a apoiar outra rebelião, dessa vez contra o próprio Kabila. O país também enfrentou tempos intensos de corrupção, problemas econômicos e muitos tinham plena convicção de que Kabila era um mero peão de potências estrangeiras, o que acabou gerando ainda mais instabilidade no país.  

 

Em uma tentativa de demonstrar força, Kabila começou a tomar algumas medidas, como a de 1998, em que ele exigiu que as tropas das nações africanas vizinhas se retirassem de seu território. Essa decisão escalonou ainda mais a tensão na região, e ao fim de 1998, tropas de Ruanda invadiram novamente o Congo. 

 

A região inteira se envolveu no conflito, o que provocou uma guerra civil. De um lado, estavam o governo da RDC (República Democrática do Congo), Angola, Zimbábue e Namíbia. Do outro, os rebeldes da RDC, apoiados por Uganda, Ruanda e Burundi.  

 


O confronto ficou conhecido como a “Guerra Mundial da África”, que atingiu principalmente os civis, que foram vítimas de agressões armadas, saques, ataques sexuais e assassinatos, tudo isso por uma questão de rivalidades étnicas e brigas por recursos naturais, já que o país, apesar de sua pobreza econômica, é fértil em recursos minerais, com minas de diamantes, cobre, cobalto, ouro e nióbio. 

 












O país acabou sendo assolado pela guerra e as consequências foram milhares de mortes, falta de suprimentos, de comida, remédios, um enorme deslocamento de refugiados e regiões inteiras jogadas à anarquia.  

 

Em 1999 a guerra chegou ao seu auge, com uma enorme quantidade de mortos e milhões de refugiados. Ao mesmo tempo, iniciativas de paz começaram a surgir, como o acordo de cessar-fogo de Lusaka. Mas, o acordo acabou não surtindo efeito e em janeiro de 2001, Kabila foi assassinado por seu guarda-costas, e seu filho, Joseph Kabila, assumiu a presidência da República Democrática do Congo. 

 

Joseph Kabila

Em 2002, novas tentativas de paz surgiram a partir da Comunidade Internacional e em 2003, um acordo mais definitivo foi finalmente assinado em julho daquele ano. Com isso, as tropas de Uganda e Ruanda começaram a se retirar do território congolês; as milícias congolesas foram desarmadas e um Governo de Transição foi firmado. 3 anos após o estabelecimento desse novo Governo uma Constituição foi outorgada no Congo. 

 

Apesar de o fim oficial da guerra ter sido declarada em julho de 2003 e de um acordo ter sido firmado entre as partes afim de criarem um governo de unidade nacional, diversos conflitos internos continuaram acontecendo e os problemas acarretados pela pobreza do país aumentaram. Em decorrência disso, pelo menos mil pessoas morreram diariamente em 2004 por subnutrição e doenças que poderiam ter sido evitadas. 

 

Em 2007 um perito em direitos humanos da ONU relatou que atrocidades sexuais contra mulheres congolesas iam "muito além de violação" e incluíam escravatura sexual, incesto forçado e canibalismo. Em 2008 uma nova pesquisa apontou que o conflito matava ao menos 45 mil pessoas por mês. 

 

A situação também foi bastante preocupante na região de Kasai, onde mais de 896 mil pessoas fugiram de suas casas, e quando tentaram retornar à região após o fim da guerra civil, encontraram suas propriedades devastadas e nenhum parente vivo.  

 

Entre os anos de 2017 e 2019 mais de 5 milhões de pessoas se deslocaram internamente no país, ou buscaram por refúgio em países vizinhos, como Angola e Zâmbia. 

  
Apenas em países do continente africano, são mais de 918 mil congoleses refugiados e solicitantes de asilo. Mas o mais impressionante e contraditório é que a República Democrática do Congo é um dos países que recebem refugiados, mesmo que sua situação seja extremamente crítica.  

 
A República Democrática do Congo é o segundo maior país do continente africano e um dos mais pobres do mundo, e, de acordo com a Acnur - Agência da ONU para Refugiados tem uma das situações humanitárias mais desafiadoras do mundo atualmente. 

 

Diversos setores do país são considerados pela ONU uma emergência de nível 3, que é o mais alto em termos de urgência de necessidade de ajuda. Atualmente, a missão da ONU no país é comandada por um brasileiro e General chamado Marcos de Sá Affonso da Costa. 

 

A primeira transição de poder civilizada (por questão de voto civil) da história da República Democrática do Congo só aconteceu em janeiro de 2019, quando Félix Tshisekedi tomou posse como presidente, após vencer eleições marcadas por caos, ameaças e urnas incendiadas ao final de 2018, além de os resultados da votação terem sido contestadas por Joseph Kabila. 

 

Moïse viveu até os seus 14 anos de idade em situação de guerra e extrema pobreza, pois, foi com essa idade que ele conseguiu finalmente chegar ao Brasil com outros 3 irmãos, no ano de 2011, através da ONG Cáritas do Rio de Janeiro.  

 


A mãe de Moïse só conseguiu se refugiar no Brasil em 2014 e ficou em São Paulo capital por um tempo até conseguir reencontrar os filhos. Moïse era o filho do meio e seu irmão caçula é brasileiro e tem 7 anos de idade. O caçula da família nasceu no Basil após dona Ivone se estabelecer no Rio de Janeiro junto de Moïse e o restante da família. Eles buscavam continuar a vida e a família no país. 

 

Mas, infelizmente, no dia 24 de janeiro de 2022, Moïse foi brutalmente assassinado. A família conta que o estabelecimento onde ele trabalhava por diárias, o quiosque Tropicália localizado no posto 8 da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, devia a Moïse dois dias de pagamento, um valor aproximado de R$200,00 (duzentos reais). 

 



Na noite do dia 24 Moïse foi cobrar o valor de suas diárias, porém, o responsável pela barraca se negou a quitar a dívida e os dois acabaram discutindo. Minutos depois, o devedor chamou outras pessoas, que torturou e espancou Moïse por cerca de 15 minutos até a sua morte, eles utilizaram um bastão de madeira e posteriormente a perícia pôde concluir que Moïse levou ao todo 40 pauladas. 

 




Tudo foi gravado por câmeras de segurança do próprio quiosque. Moïse também foi amarrado e um dos agressores ao perceber que ele já não reagia, tentou reanimá-lo com massagem cardíaca, contudo, depois de não conseguir simplesmente o deixou na calçada. 

 

O quiosque continuou funcionando normalmente e inclusive algumas pessoas passaram pelo local, compraram bebidas no quiosque, mas não fizeram nada. Mais tarde, testemunhas afirmaram que Moïse pedia o tempo todo para que não o matassem.  

 

A equipe do Samu chegou ao local somente às 23h15 daquela noite, cerca de 49 minutos depois do início das agressões. Os socorristas tentam reanimar Moïse, mas não obtiveram sucesso. Depois, eles cobriram seu corpo com um plástico branco e foram embora.  

 

À meia-noite, chegam dois policiais militares, mas praticamente não se aproximam e saíram em seguida. A Policia Civil apareceu à 1h15 da manhã e deu início à perícia no local, com o corpo há cerca de três horas no chão. 

 

Moïse estava em processo de naturalização como brasileiro, mas morreu antes da conclusão. A Embaixada da República Democrática do Congo divulgou à imprensa uma nota em que afirmou que a morte covarde de Moïse não foi a única contra congoleses no Brasil, e disseram o seguinte:  

“Informamos que neste momento temos 4 outros casos de compatriotas que foram brutalmente assassinados neste país e aguardamos os resultados das investigações policiais”. 

 

Logo após, a Polícia Civil informou que as investigações estavam em andamento na Delegacia de Homicídios da Capital do Rio de Janeiro (DHC). E afirmaram que as diligências já estavam em curso para identificar os autores do crime através das imagens da câmera de segurança e que a perícia havia sido realizada no local. 

 

O secretário municipal da Fazenda no Rio de Janeiro, Pedro Paulo, determinou a suspensão do alvará de funcionamento do quiosque Tropicália, e a concessionária Orla Rio, administradora dos quiosques de praia do RJ, informou que suspendeu as operações do quiosque até o encerramento das investigações. 

 


A comunidade congolesa no Brasil junto a familiares de Moïse mobilizam alguns atos no Rio de Janeiro, em frente ao local do crime para protestarem contra a morte brutal de Moïse. A comunidade também divulgou uma nota em repúdio ao espancamento, e disseram que:  

 

“Esse ato brutal, não somente manifesta o racismo estrutural da sociedade brasileira, mas claramente demonstra a xenofobia dentro das suas formas, contra os estrangeiros. Nós da comunidade congolesa não vamos nos calar. Combater com firmeza e vencer o racismo e a xenofobia, é uma condição para que o Brasil se torne uma nação justa e democrática”. 



 


Os 3 homens que aparecem nas filmagens do quiosque foram presos pela morte do Moïse e no dia 02 de fevereiro de 2022, deslocaram-se para a cadeia José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro.  

 

No local funciona a triagem do sistema prisional no Rio. E os 3 deverão responder por homicídio duplamente qualificado — por impossibilidade de defesa da vítima e meio cruel. O processo corre em sigilo, mas de acordo com as filmagens podemos entender quem era cada um na cena do crime. 

 

Começando por Fábio Pirineus da Silva, conhecido como Belo, de 37 anos. Aparece nas imagens da câmera de segurança do quiosque de camiseta regata e, depois, sem camiseta e boné. Ele é vendedor de caipirinhas na praia, e confessou à polícia que deu pauladas em Moïse. De acordo com informações ele teria proferido contra Moïse pelo menos 36 pauladas em 5 momentos diferentes. 

 

Na filmagem é possível observar que é Fábio quem pega o bastão de madeira e inicia as agressões contra Moïse. Fábio já tinha passagens pela polícia, sendo uma delas por agressão contra sua ex-esposa e a outra foi a prisão civil por não pagamento de pensão alimentícia. 

 

O segundo agressor de Moïse é o Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, conhecido como o Dezenove, de 29 anos, aparece nas imagens de camiseta do Flamengo e boné. 

 

Ele admitiu ter participado das agressões contra Moïse e disse que "ninguém queria tirar a vida". Aleson é cozinheiro e trabalhava no quiosque do Biruta, que fica ao lado do Tropicália. 

 

Tem três passagens pela polícia, sendo uma delas por extorsão, outra porte ilegal de armas e a terceira por corrupção de menores. Essa última ocorreu em 2014, quando Aleson e um adolescente realizaram um sequestro-relâmpago na Barra da Tijuca. Aleson foi preso, e o adolescente apreendido, o caso foi arquivado em 2016. 

 

O terceiro agressor de Moïse foi Brendon Alexander Luz da Silva, conhecido como Tota, de 21 anos. Ele é quem parte para a briga com Moïse quando o mesmo tenta pegar uma cerveja no freezer. Eles inicialmente se estranham verbalmente até que Tota derruba Moïse com um golpe de jiu-jítsu conhecido como "baiana". 

 

Ainda usando técnicas de luta, ele domina o Moïse e o mantém imobilizado por vários minutos, enquanto Fábio e depois Aleson o agridem com pauladas. 

 

Brendon trabalhava na Barraca do Juninho, na areia da Praia da Barra, em frente ao quiosque Tropicália. Ele não tinha passagem pela polícia. 

 

A Anistia Internacional do Brasil também se manifestou sobre a morte de Moïse e em nota pública eles disseram o seguinte: 

 

"A violência, que culminou com a morte do jovem Moïse Kabamgabe, é um flagrante e inaceitável caso de violação do direito humano à vida e à dignidade humana, garantido pela Constituição Federal (Art. 5º) e pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que inclusive determinam que o país se obriga a garantir este direito a todos os estrangeiros sob sua jurisdição, ou seja, residentes no país. Além disso, não se pode ignorar que o assassinato de Moïse reproduz um padrão sistemático de violência perpetrada contra pessoas refugiadas e negras no Brasil. Em nosso país, a xenofobia e o racismo estrutural caminham lado a lado na perpetuação das condições de vulnerabilidade social que ameaçam a dignidade, a segurança e a vida de imigrantes negros como Moïse Kabamgabe.  

  

Nesta terça-feira, 1º de fevereiro de 2022 a Anistia Internacional Brasil enviou ofícios ao governador do Estado do Rio de Janeiro, Claudio Castro, e ao Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes exigindo justiça e reparação para os familiares de Moïse. 

  

A Anistia Internacional demanda que o governo do Estado do Rio de Janeiro seja transparente e rápido na condução das investigações e que a prefeitura do Rio de Janeiro colabore com toda e qualquer informação que contribua com as investigações acerca do homicídio de Moïse Mugenyi Kabamgabe, refugiado político da República Democrática do Congo e residente no Brasil desde 2011. A família do jovem e toda a sociedade precisam ser informadas continuamente sobre o andamento das investigações.  Moïse foi brutalmente assassinado, segundo a família após ter ido cobrar R$200,00 de empregador referente a dois dias de trabalho em um quiosque, na Barra da Tijuca.  

  

O crime ocorreu na noite de 24 de janeiro, no Quiosque Tropicália, na Praia da Barra da Tijuca e somente nesta terça-feira, 6 dias depois, o governador do Estado do RJ e o prefeito da cidade, Eduardo Paes, resolveram agir, o que demonstra que a pressão da sociedade civil e a divulgação do caso na imprensa surtiu efeito. 

  

A Anistia Internacional Brasil cobra também das autoridades públicas que medidas efetivas e políticas públicas de enfrentamento ao racismo, à xenofobia e de proteção e defesa dos direitos das pessoas refugiadas sejam adotadas nas esferas municipais, estaduais e federais para que situações como a de Moïse não voltem a acontecer. O enfrentamento ao racismo, à xenofobia e a garantia de direitos humanos devem ser prioridades das autoridades públicas.  Exigimos justiça por Moïse e por todos e todas que perdem seu direito à vida num país que insiste em tratar o racismo sem a devida importância." 

  

Um relato que achei importante compartilhar foi o do jornalista Caio Barreto que conheceu o Moïse e falou sobre ele em seu perfil do Twitter:

"Conheci Moïse quando fui à favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, fazer uma reportagem sobre a vida dos congoleses no Rio. Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos. Chadrac me apresentou a vários conterrâneos. Na hora do almoço, convidei-o para comer.  

 

Ele agradeceu, mas recusou: não se sentiria bem almoçando em um restaurante enquanto amigos passavam fome. Fomos então ao supermercado e enchemos um carrinho de comida. Comecei a entender ali quem eram aqueles imigrantes: se um come, todos comem. Se um passa fome, todos passam fome. 

 

Conheci um economista congolês q falava francês, lingala, português e inglês. Sonhava ser contratado como tradutor na Rio2016, mas só conseguiu vaga como voluntário. Um administrador virou faxineiro. Chadrac, formado em hotelaria, carregava pedras em troca de 60 reais por dia. 

 

A coordenadora da Cáritas RJ, Aline Thuller, contou na época que empresários cariocas preferiam contratar imigrantes brancos, como os sírios. Congoleses, angolanos e haitianos só eram procurados p/ trabalho braçal - como carregar e descarregar caminhão de pedra, caso do Chadrac. 

 

Um mês antes de João nascer, demos uma festa pra 100 pessoas lá em casa. Enchi a playlist de Fally Ipupa, Simaro Lutumba e chamei Chadrac e seus amigos. Moïse, mais sossegado, ñ foi. Vcs já viram um congolês vestido pra uma festa? São os + elegantes e melhores dançarinos do mundo. 

 

No sábado à noite, Chadrac me ligou pedindo ajuda. Contou chorando que mataram Moïse. Ñ consigo pensar em outra coisa desde então, assim como ñ consigo esquecer de um bebê recém-nascido que o pai, um homem chamado Luta, batizou de Vencedor. Era o primeiro carioca da família. 

 

Luta fugiu p/ Brasil com sua mulher grávida. Sonhava ser jogador no país do futebol, mas acabou no subemprego. Uma vez liguei pra saber como estavam: Vencedor tinha morrido. Segundo o pai, de desnutrição, pois a família só tinha dinheiro pra comer "fufu" (fubá em lingala). 

 

A situação dos congoleses, angolanos e haitianos no Brasil é terrível e atravessa governos de centro-esquerda e extrema-direita de forma surpreendentemente parecida. O racismo estrutural bloqueia avanços profundos. Eles têm as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles mesmos. 

 

Eu queria ter esperança, queria acreditar que as coisas podem melhorar, mas a esperança foi assassinada a pauladas atrás de um quiosque. Que 

faça algo por Cinco Bocas. Que, aliado de milicianos, priorize o caso Moïse. Vcs acreditam nisso? Eu não". 

 

É um relato extremamente marcante que me fez refletir por dias como estamos distantes do aceitável como sociedade. O que Caio diz sobre "eles tem as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles" foi literalmente um tapa na minha cara! Por isso, espero que esse caso faça com que muitos ouvintes e leitores do blog ajudem como puderem, assim como eu ajudarei. 

 

Sempre pensei que o mundo era um lugar injusto e de fato é, mas se pudermos fazer um pouco a cada dia para que essa realidade seja amenizada, é exatamente o que devemos fazer. 

 

E bom, como podemos ajudar e como funciona a proteção para Refugiados? 

Para entendermos a importância do refúgio à um imigrante em situação de perigo, é importante partirmos do pressuposto de que: acolher ou ajudar um refugiado não é apenas um ato de solidariedade, mas a transcendência de um conceito humanitário que vem sendo construído há décadas. 

 

Dessa forma, podemos começar a conhecer a história por trás dos programas atuais voltados aos refugiados, que se deram a partir do ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ou Agência da ONU para Refugiados, que atua para assegurar e proteger os direitos das pessoas em situação de refúgio em todo o mundo. Ela é governada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). 

 

Parte importante de sua atuação é garantir que os países compreendam e respeitem suas obrigações quanto à proteção adequada de refugiados e solicitantes de refúgio, já que a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) não substitui a proteção que deve ser oferecida pelas autoridades de cada país. 

 

A Agência da ONU para Refugiados foi criada no dia 14 de dezembro de 1950, a partir da resolução n. 428 da Assembleia Geral das Nações Unidas, para trabalhar ajudando refugiados europeus que perderam suas casas durante a Segunda Guerra Mundial. A agência iniciou sua atuação oficial em janeiro de 1951. 

 

O trabalho da Agência da ONU para Refugiados se fundamenta na Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos refugiados, que estabeleceu o que é um refugiado e quais são os direitos e deveres dessas pessoas, bem como dos Estados-países que as recebem. Essa Convenção foi adotada em 1951 e continua sendo a base da proteção internacional de refugiados até hoje. 

 

Ao longo dos anos a Convenção vêm sendo atualizada, conforme o surgimento de diferentes situações de conflito e refúgio que não foram originalmente contempladas por ela. Em 1967, foi adotado o Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, que foi um complemento à Convenção que permitiu a expansão do mandato da Agência para além de apenas europeus afetados pela Segunda Guerra Mundial.  

 

Outra mudança importante aconteceu em 1995, quando a Agência passou a ser responsável também pela proteção de pessoas apátridas. 

 

A Agência já recebeu o Prêmio Nobel da Paz duas vezes, a primeira em 1954: “por seus esforços para curar as feridas da guerra, fornecendo ajuda e proteção aos refugiados em todo o mundo”, e em 1981: “pela promoção dos direitos fundamentais dos refugiados”. 

 

No Brasil as funções da Agência da ONU para Refugiados operam a partir do trabalho com a sociedade civil e refugiados para facilitar o seu processo de integração por meio de uma rede nacional de apoio.  

 

As instituições que participam desse processo são a Cáritas do Rio de Janeiro e São Paulo, a Companhia de Jesus e a Sociedade Antônio Vieira em Porto Alegre. Através dessas instituições, é dada assistência legal, orientação social, são ministrados cursos de idioma para os que não falam português, assistência na procura por emprego e moradias, além de promover a participação das atividades e reuniões colegiadas do Comitê Nacional para os Refugiados, o CONARE. 

 

Moise e sua família foram acolhidos pela Cáritas do Rio de Janeiro, e seus familiares ainda são assistidos por eles e recebem apoio nesse momento na busca por justiça.  

 

Para os que desejam ajudar programas para refugiados é possível realizar doações e se voluntariar. O link da Cáritas está na descrição. 

 

Por fim, quero falar sobre o porquê o racismo ainda mata em 2022. 

Eu já falei/escrevi a respeito no Especial das prisões, mais especificamente no caso "A História do Carandiru", sobre como as marcas da escravidão ainda são visíveis em nossa sociedade. Das senzalas, a população negra foi literalmente esquecida, negligenciada e obrigada a permanecer em subúrbios procurando formas de subsistência e até os dias atuais os negros são a mairia nas comunidades brasileiras.


Sílvio Almeida, um advogado, filósofo, escritor e professor universitário, afirma que o racismo estrutural justificava a escravidão naquela época, da mesma maneira que justifica a desigualdade social atualmente.  


Hoje, o Brasil tem a maior população negra fora da África, ainda assim, as pessoas pretas e pardas são as principais vítimas das desigualdades sociais do país, desde as oportunidades de emprego até o acesso à educação e a saúde.  

 

De acordo com a CNN 78% das pessoas mortas por armas de fogo no Brasil são negras e fica nítido que cor da pele evidencia o risco e aumenta a proporcionalidade de letalidade dessas pessoas. Também existem dados que demonstram que a cada 23 minutos um jovem negro é morto no país. 

 

O Brasil é conhecido internacionalmente como o país da democracia racial, no entanto presenciamos o racismo em sua essência todos os dias. O caso do Moise também levantou diversos questionamentos sobre como imigrantes brancos e europeus são acolhidos de forma bastante distinta da que imigrantes negros são tratados no país. 

 

São atrocidades como essa que demonstram como o racismo opera e dita que a vida de uma pessoa preta vale menos do que a vida de uma pessoa branca. Provavelmente um imigrante branco não teria sido assassinado de forma tão brutal como Moise foi. Por isso precisamos debater casos assim, e lutar para construirmos um futuro mais justo e igualitário para todos. 





Mãe de Moise









*As imagens utilizadas por este artigo foram encontradas no "Google imagens" a partir da pesquisa: Caso Moise.

Fontes de pesquisa:

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/04/caso-moise-imprensa-internacional-cita-debate-sobre-xenofobia-apos-assassinato-de-congoles-no-brasil.ghtml

https://midianinja.org/news/moise-kabagambe-e-o-quinto-congoles-morto-brutalmente-no-brasil-afirma-embaixada/

https://www.youtube.com/watch?v=-fORcbiLsOI&ab_channel=JornaldaRecord

https://www.youtube.com/watch?v=YuHEDsuxBs4&ab_channel=TVBandRio

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/02/veja-o-que-se-sabe-sobre-a-morte-do-congoles-moise-kabagambe.shtml

https://www.youtube.com/watch?v=qLqyLHqob70&ab_channel=UOL

https://www.youtube.com/watch?v=5d2bPe9WqdM&ab_channel=UOL

https://twitter.com/caio_/status/1488558897858330628

https://super.abril.com.br/historia/congo-o-coracao-das-trevas/#:~:text=Dos%2057%20mil%20refugiados%20reconhecidos,3.594)%20t%C3%AAm%20mais%20refugiados%20aqui.

https://www.todamateria.com.br/guerra-do-congo/

https://www.greelane.com/pt/humanidades/hist%c3%b3ria--cultura/second-congo-war-43698/

https://www.politize.com.br/origens-racismo-estrutural/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_do_Congo

https://news.un.org/pt/tags/republica-democratica-do-congo

https://www.youtube.com/watch?v=tP490Nj2ACY&ab_channel=BBCNewsBrasil

https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/refugio/institucional

https://pt.wikipedia.org/wiki/Comit%C3%AA_Nacional_para_os_Refugiados

https://anistia.org.br/informe/a-morte-de-moise-kabamgabe-e-inaceitavel-afirma-a-anistia-internacional-brasil/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/02/guerra-e-miseria-entenda-por-que-milhares-abandonam-a-republica-democratica-do-congo-terra-do-jovem-moise-kabagambe-assassinado-no-rio.ghtml

https://podcasts.google.com/feed/aHR0cHM6Ly9oaXN0b3JpYW9ubGluZS5jb20uYnIvZmVlZC9wb2RjYXN0Lw/episode/YzFlOGE2NTUtNzY1OS00NTA3LTlmODMtNTQ0Yjc4ZDRlOTI1?hl=pt-BR&ved=2ahUKEwjztdGusaD2AhVAmnIEHT86BUEQjrkEegQIAhAI&ep=6

https://exame.com/brasil/ibge-populacao-negra-e-principal-vitima-de-homicidio-no-brasil/

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-08/risco-de-negro-ser-assassinado-e-26-vezes-superior


O Direito Internacional dos Refugiados e sua aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro

https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/O-Direito-Internacional-dos-Refugiados-e-sua-Aplica%C3%A7%C3%A3o-no-Ordenamento-Jur%C3%ADdico-Brasileiro.pdf


Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio - Caritas

http://www.caritas-rj.org.br/


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Por Thainá Bavaresco.

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