AS CRIADORAS DE ANJOS DE NAGYRÉV - Sororidade Macabra

Resenha com conteúdo extremamente violento: assassinato em série, violência contra a mulher e conta a criança, aborto, suicídio e questões relacionadas à traumas pós-guerra. Não é indicado para pessoas sensíveis e é recomendado para maiores de 18 anos.

"Para quem acreditava que uma mulher era naturalmente má, um grupo de mulheres era o mal personificado. Elas disseram que: "não somos assassinas. Não apunhalamos nem afogamos nossos maridos. Eles simplesmente morreram envenenados. Era uma morte fácil para eles, não um assassinato." 



No início do século XX, Nagyrév, um vilarejo localizado no centro da Hungria convivia com a dura realidade causada pela Primeira Guerra Mundial. O fim da guerra escancarou toda a devastação que o conflito proporcionou nos diversos setores da vida em sociedade, especialmente na vida de pobres camponeses, uma vez em que se sucedeu uma inevitável crise agrícola no país. 

 

Todo o contexto de pobreza e devastação foi acompanhado com o retorno de homens sobreviventes da guerra que voltaram para suas casas mutilados, irritados e sofrendo de transtorno de estresse pós-traumático. Apesar de Nagyrév estar localizada no centro do país, suas estradas eram precárias e não havia estações de trens, ou pontos de ônibus que ligassem o vilarejo às cidades vizinhas, o que fazia com que todos vivessem isolados. 

 

Essa difícil realidade agravou os diversos problemas sociais que Nagyrév já enfrentava, como a impossibilidade de manter uma efetiva atividade agrícola, a falta de acesso à hospitais, medicamentos, e produtos inerentes a sobrevivência. Essas condições fizeram com que as pessoas que moravam em Nagyrév coexistisse com um sentimento opressor de impossibilidade de mudança de vida.  

 

Era como uma maldição, em que os moradores de Nagyrév estivessem fadados a nascer e a morrer ali — alguns, no entanto, começaram a morrer cedo demais. 

 

O contexto social de Nagyrév não era o único problema que a cidade enfrentava, os casamentos também passaram a ser grande parte de um problema grave e duradouro. Eles eram formados por homens violentos, cheios de traumas, e que passaram a consumir bebidas alcóolicas numa tentativa frustrada de lidar com suas questões psicológicas internas. De outro lado, havia mulheres pobres, camponesas e muitas vezes forçadas a se casar, e a morar na casa de seus sogros – justamente por não haver condições financeiras de os recém-casados morarem em sua própria casa. 

 

Nessa época o divórcio já era uma prática possível em teoria, mas não era socialmente aceito. Era motivo de vergonha eterna para as mulheres que decidissem seguir por esse caminho. Justamente por isso, a grande maioria das mulheres se sentiam obrigadas a aceitar todas as violências maritais, e permaneciam em seus relacionamentos abusivos. 

 

Nesse cenário podre, isolado e violento, as crianças eram consideradas um fardo, o pensamento predominante era o de que "bebês seriam mais uma boca para alimentar, mais um ser desafortunado, condenado a viver em um mundo pobre e sem oportunidade de mudança". Assim, as camponesas de Nagyrév recorriam a métodos contraceptivos perigosos e primitivos, como o "facsiga", uma espécie de tampão de madeira que era inserido no colo do útero. 

 

Quando os métodos de contracepção não eram capazes de prevenir a gravidez, algumas mulheres recorriam ao "aborto caseiro", que consistia na perfuração do útero com o uso de uma agulha de tricô. E quando a tentativa de aborto não fosse suficiente, o infanticídio seria o último recurso dessa mulher.  

 

As maneiras de se matar os bebês eram as mais cruéis possíveis, como deixá-los morrer de fome, sufocá-los até a morte, banhá-los em água quente e deixá-los no frio para contraíssem pneumonia, entre outras práticas terríveis e perversas. 

 

Tais crimes eram tão comuns, que os pais que assassinavam seus próprios bebês nunca eram denunciados. Essas práticas simplesmente "faziam parte do cruel ciclo da vida". 

 

Ferenc Moksony, um sociólogo húngaro publicou um estudo em 2001 sobre as comunidades rurais isoladas da Hungria do início do século XX, e constatou que nesses locais os índices de suicídios eram maiores do que em outras comunidades, e disse que: "Quanto mais marginalizada uma comunidade e mais frustrados seus habitantes se sentem em relação ao seu isolamento e pobreza, maior a probabilidade de se voltarem para um comportamento deturpado". Aparentemente foi exatamente isso que aconteceu em Nagyrév. 

 

Não é possível determinar quando exatamente os assassinatos começaram, mas é possível dizer que um dos primeiros ocorreu na primeira metade dos anos 1910, quando uma mulher chamada Julianna Lipka se mudou para a casa de um casal de idosos doentes, com o intuito inicial de cuidar deles. 

 

Um tempo depois, em uma conversa informal com um grupo de mulheres do vilarejo, Julianna se queixou sobre o casal de idosos que cuidava e, rapidamente, recebeu um conselho bizarro: dissolver papel mata-moscas em água. Segundo o conselho, o papel era capaz de soltar uma camada fina de veneno, que poderia ser misturado à comida ou bebida. Os resultados eram fatais e aparentemente não era possível detectar a substância. 

 

A mulher que ofereceu essa solução perturbadora era Zsuzsanna Fazekas, a parteira de Nagyrév. Zsuzsanna acreditava profundamente que podia ter o controle da vida e da morte em suas mãos, e literalmente fazia com que essa crença se tornasse realidade. Ela era uma mulher fria e sem escrúpulos, que não hesitava em recomendar o assassinato às suas clientes desesperadas, e "distribuía veneno como se fosse remédio para dor de cabeça".  

 

Zsuzsanna carregava um frasco de arsênico em sua bolsa, era poderosa e respeitada na cidade. Além de recomendar assassinatos, ela mesma os cometia em diversas vezes. Seu modus operandi consistia em se dirigir até a casa de uma das mulheres que pediam a sua ajuda com o pretexto de amparar um enfermo, mas ao invés disso, ela o envenenava. 

 

Naquela época, algumas mulheres justificavam os seus assassinatos das mais diversas formas: “ele cuspia no chão, ele reclamava demais, eu estava aborrecida, foi vingança, ele me agrediu, cansei de determinada pessoa”, e assim se seguia a lista de motivações para assassinar categoricamente qualquer pessoa que trouxesse um ínfimo sentimento de insatisfação. 

 

Outra mulher bastante envolvida em muitos assassinatos era Rozália Takács, uma massagista de Nagyrév. Ela começou a matar de modo bem pessoal, após envenenar o "monstro ébrio" do seu marido, o envenenando com arsênico. Após a inevitável morte de seu esposo, Rozália ofereceu ajuda a uma jovem mãe que se queixou dos abusos do sogro, e disse que ofereceria "algo que destruiria o velho". 

  

Desse modo, tanto a ideia de assassinato como as maneiras de assassinar estavam se espalhando como uma névoa diabólica por Nagyrév. Nenhuma mulher matava sozinha. Em vez disso, procurava conselhos de amigas, e elas a encorajavam, apoiavam suas ações e lhe forneciam o conhecimento, e os suprimentos necessários para praticar os assassinatos categoricamente. 

 

Isso aconteceu aproximadamente 42 vezes em Nagyrév, foram 42 assassinatos cometidos por 34 mulheres. Era uma espécie de sororidade distorcida e macabra. 

 

Outra mulher sádica que assassinou sem pensar duas vezes o seu próprio filho foi Mária Kardos, uma das cidadãs mais conhecidas do vilarejo. Ela era mais rica que as outras, se vestia melhor e havia se divorciado duas vezes, algo incomum em Nagyrév. 

 

Mária decidiu que seria conveniente matar o seu filho para que ela pudesse se dedicar ao seu recente namoro com o ex-prefeito da cidade. Seu filho tinha 23 anos e possuía um estado de saúde debilitado, o que segundo Mária, foi motivo suficiente para que ela o matasse friamente. 

 

Ela então começou a envenenar a comida do rapaz com arsênico, o que fez com que o estado de saúde dele se agravasse rapidamente. Pouco antes da morte do rapaz, Mária colocou a cama do filho ao lado de fora da casa para que ele pudesse tomar um pouco de sol. Enquanto ele agonizava, Mária relembrou algo que sempre amara em seu garoto: ele possuía uma linda voz.  

 

À polícia Mária disse: "Pensei que gostaria de ouvi-lo mais uma vez. Então eu disse: 'Cante, meu menino. Cante minha canção favorita'. Ele a cantou em sua voz clara e adorável. Estava triste por perder aquela voz". Até poderia ser verdade que ela estava triste por um segundo. Porém, uma vez que ele estivesse morto, Mária se veria livre e pronta para se casar novamente. 

 

Para a infelicidade de Mária, o ex-prefeito era um mulherengo incorrigível com hábitos terríveis de consumir bebida alcóolica. Eventualmente ela conseguiu fazer com que ele se casasse com ela, mas eles nunca tiveram um casamento perto de ser "ideal". 

 

Zsuzsanna desprezava o ex-prefeito e quando soube do infeliz casamento de Mária, decidiu que a ajudaria a matar o homem. Elas o envenenaram lentamente, ao longo de um mês até a fatídica morte que ocorreu em abril de 1922.  
 

Após vinte anos matando silenciosamente, as mulheres de Nagyrév finalmente foram descobertas. No final dos anos 1920, as autoridades da cidade vizinha de Szolnok receberam cartas anônimas relatando as atrocidades cometidas em Nagyrév. 
 

No início as cartas foram ignoradas, era mais fácil desacreditar que mulheres mataram tantos em uma cidade tão pequena. Mas quando o jornal da cidade vizinha publicou em 1929 que: "As autoridades não estão fazendo nada, e os envenenadores continuam seu trabalho sem interrupções". O governo húngaro passou a pressionar a polícia local para solucionar o caso.  

 

Pouco tempo depois dezenas de mulheres foram presas e passaram horas ininterruptas sendo interrogadas. Zsuzsanna Fazekas foi uma das primeiras a ser presa, mas inicialmente ninguém dizia nada, pois todas estavam de certa forma envolvidas. 

 

O silêncio não durou muito. Tentaram atribuir os assassinatos a Zsuzsanna, como se as mortes partissem de uma única fonte, como se toda a maldade que assolava a cidade partisse dela. Zsuzsanna de fato figurava como mentora em diversos assassinatos, mas em dado momento a cidade se virou contra ela, a culpavam por tudo e passaram a chamá-la de bruxa.  

 

Era mais fácil culpar apenas uma mulher por tudo ao invés de identificar a real natureza dos assassinatos. Foi dito na época, que o real culpado era: "um terrível fenômeno nascido e encorajado por amplas questões sociais. Os assassinatos eram comuns e descentralizados demais para serem atribuídos apenas à Zsuzsanna... A origem de tais crimes era tão imperceptível e difusa quanto o próprio veneno. Economia, cultura, infelicidade humana criaram uma atmosfera caracterizada não pela loucura de uma parteira, mas por um silencioso e duradouro desespero feminino".  


 

Após o interrogatório de Zsuzsanna, ela foi liberada. Ela implorou para que alguém da cidade a ajudasse a fugir, mas rapidamente o seu status havia se transformado em repudio coletivo. No dia seguinte a polícia se dirigiu a casa de Zsuzsanna. Contudo, ao perceber que seria definitivamente presa, Zsuzsanna sacou um frasco de veneno do bolso e bebeu todo o conteúdo. A polícia a encontrou agonizando no chão, tentou socorrê-la, mas ela morreu antes de chegar ao hospital. 

 


O julgamento do caso dos assassinatos de Nagyrév foi atribuído ao juiz János Kronberg, que desde o início repudiou todas as mulheres envolvidas e prendeu tantas quanto pôde. O julgamento, mesmo naquela época, ficou famoso e a imprensa publicava matérias sensacionalistas e pretenciosas. 


 

Por outro lado, enquanto a população escolhia um lado, as mulheres sucumbiram às prisões precárias, com celas cheias de ratos e interrogatórios incessantes. Elas inclusive eram torturadas para que confessassem os crimes. A pressão era tão brutal que fez com que duas mulheres que estavam presas se enforcassem em suas celas. Para a imprensa, aquilo foi uma confissão dos crimes.  

 

Durante o julgamento, a maioria das mulheres tentou atribuir os atos à falecida parteira Zsuzsanna; a defesa alegou que os crimes eram resultado da pobreza, dizendo que as autoridades poderiam ter feito algo por Nagyrév, que vivia uma realidade de pobreza extrema e falta de suprimentos básicos. 

 

O argumento era verdade, houve omissão do Estado perante a fome e escassez, mas isso não mudava o fato de que ocorreram diversos assassinatos em Nagyrév. Diante da Corte húngara, Mária Kardos, que havia matado o filho e o terceiro marido, foi fria durante o julgamento, e disse diante de uma plateia hostil o seguinte:  

“Todas nós, mulheres de Nagyrév, sabíamos o que Zsuzsanna Fazekas estava aprontando. Estávamos tão acostumadas com as ações dela como estamos acostumadas a ver bandos de gansos deixando o vilarejo rumo aos prados toda manhã […] Nenhuma das mulheres que foram presas pelos envenenamentos é inocente.” 

 

No final daquele dia as sentenças foram proferidas. A maioria recebeu prisão perpétua ou longas penas, poucas foram inocentadas porque não havia provas suficientes para a condenação.  

 


Sete mulheres receberam pena de morte, incluindo Mária e Rozália. Depois dos vereditos, as camponesas iniciaram um agudo e estranho coro: "Jaj, Jaj, Istenem, Istenem".  

 

Era um lamento culturalmente cantado em funerais - "Ai de mim, ai de mim, meu Deus" -, que deixou os espectadores do tribunal bastante desconfortáveis. Era algo muito real e palpável. Eles esperavam um espetáculo público, mas não queriam lidar com a insuportável intensidade do desespero humano. Especialmente vindo de camponesas pobres e de meia idade. 

 

Algum tempo depois a Suprema Corte húngara reavaliou o caso, e, ao encontrar irregularidades no julgamento alterou diversas sentenças, retirando, inclusive, Rozália do corredor da morte. Mária por sua vez não foi poupada e a sua execução ocorreu na manhã do dia 13 de janeiro de 1931, por enforcamento. 

 

A última matéria sobre o julgamento dizia o seguinte: "Elas causaram a maior das frustrações. Em vez de bruxas, demônios e homicidas astutas vemos apenas mulheres gentis, pobres, velhas e destruídas nas bancadas... A vida lhes proporcionou pouca felicidade. Entretanto, elas não mereciam nada melhor".




Fontes de pesquisa:

Resenha do Livro "Lady Killers - Assassinas em Série 

Ficha Técnica do livro

  • Título: Lady Killers - Assassinas em Série
  • Autora: Tori Telfer
  • Editora: DarkSide Books
  • Ano de Publicação: 2019
Os detalhes sórdidos dessa história você encontra no Livro Lady Killers

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Resenha da Darkside sobre o caso

https://darkside.blog.br/o-curioso-caso-das-criadoras-de-anjos-de-nagyrev/#:~:text=Zsuzsanna%2C%20Roz%C3%A1lia%20e%20Mari%C3%A1&text=A%20parteira%20Zsuzsanna%20Fazekas%20era,vezes%20%E2%80%94%20algo%20incomum%20para%20%C3%A9poca.


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Por Thainá Bavaresco.

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