Holodomor - A Grande Fome da Ucrânia

A história a seguir contém descrições de crimes extremamente violentos: genocídio, tortura, canibalismo, crime contra a humanidade. Não é indicado para pessoas sensíveis e é recomendado para maiores de 18 anos.

"Muitos camponeses desapareceram. As pessoas perderam a cabeça de fome e comeram umas às outras. Na aldeia houve um caso em que uma mãe quebrou a coluna vertebral de seu filho, o cozinhou em um caldeirão e o comeu."

Kateryna Nykogda

Como explique para vocês no caso do Andrei Chikatilo, o Holodomor matou entre 1,8 à 12 milhões de pessoas na Ucrânia no século passado (XX). O período em que o Holodomor ficou em um estado extremamente crítico foi entre os anos de 1932 a 1933. Porém, as consequências dessa crise humanitária ecoaram por longos anos no país, tanto que o Andrei nasceu em 1936 e a Ucrânia ainda sofria as devastadoras consequências do Holodomor.

Ele também sentiu na pele o que foi viver em fazendas coletivas, pois, seus pais de foram vítimas da coletivização forçada de terras promovida por Josef Stalin.

Essa coletivização forçada da agricultura, foi a expropriação de terras, colheitas e gado, dos camponeses ucranianos entre os anos de 1929 a 1931. Nessa época foi estabelecido um efetivo controle político-administrativo sobre o campesinato (conjunto de grupos sociais de base familiar que se dedicava a atividades agrícolas, com graus diversos de autonomia), forçando-os a apoiar o regime soviético. Alinhado a isso, também existia a teoria de que o governo queria garantir a eliminação dos kulaks.

- Kulaks é um termo pejorativo usado por políticos soviéticos para se referir a camponeses relativamente ricos do Império Russo que possuíam extensas fazendas e faziam uso de trabalho assalariado em suas atividades.

Esse movimento foi chamado de "Deskulakização" que visava a prisão, deportação e execução dos camponeses ricos (kulaks), considerados a "classe inimiga" do regime soviético.

Propaganda com a frase "Fora aos camponeses privados!"

Assim, o Estado passou a estabelecer planos de coleta para a produção agropecuária, que lhe permitiam regular e abastecer as cidades e as forças armadas de acordo com suas próprias convicções.

E a partir daí, diversas medidas repressivas passaram a ser aplicadas, como por exemplo:

  • As medias dos dias 18 e 20 de novembro de 1932, em que o Comitê Central ucraniano impôs aos camponeses particulares e aos kolkhozes – ou Colcoz, diversas multas para vários tipos de alimentos. Os Colcoz eram os camponeses residentes das fazendas coletivas - como os pais de Andrei Chikatilo;
  • A medida do dia 1 de dezembro de 1932, que determinava a interdição da comercialização de batatas nos distritos, e no dia 3 de dezembro, essa medida foi igualmente aplicada às carnes dos animais;
  • No dia 6 de dezembro de 1932, com base no princípio da "responsabilidade coletiva", as aldeias sujeitas a esta punição passaram a fazer parte de "listas negras" (aspas nesse termo, que é pejorativo);
  • Entre o Outono e o Inverno de 1932, foi implementado um bloqueio ao fornecimento de alimentos nas fronteiras da Ucrânia. O bloqueio foi executado pelas tropas do Ministério do Interior e da milícia. Esta medida impediu que os camponeses atingidos pela fome conseguissem comida na Rússia e em outras regiões vizinhas;

Stanislav Kossior, secretário-geral do Partido Comunista da Ucrânia em conformidade com a decisão tomada pelo Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética, determinou que a partir do dia 27 de dezembro de 1932, o governo da Ucrânia decretaria a criação do "passaporte interno". Esta medida excluía os camponeses, que ficaram isolados em suas fazendas coletivas. Segundo algumas teorias, isso tudo fazia parte da política de extermínio do povo ucraniano através da fome.

Nessas regiões, foram suspensas as vendas de bilhetes de comboio, foram montadas barreiras policiais nas estações ferroviárias e nas estradas que levavam às cidades. E somente em fevereiro de 1933, foram detidas cerca de 220.000 pessoas à procura de comida.

E bom, outras diversas medidas absurdas foram aplicadas pelo governo e tudo isso culminou no único resultado possível, o Holodomor. A palavra Holodomor é ucraniana e pode significar "matar pela fome", ou "Grande Fome". E durante os anos em que o Holodomor se sucedeu as pessoas viveram nessa realidade absurda, sem ter o que comer, então, o significado "matar pela fome" se tornou literal, já que o canibalismo passou a ser uma prática "comum" na época.

Para quem estuda Direito, é quase que obrigatório ler o livro "O caso dos Exploradores de Caverna", de Lon Fuller, e nesse livro estudamos um caso de canibalismo que é justificado por uma clássica excludente de ilicitude: o "Estado de Necessidade".

No Brasil, quando você comete um fato típico (ou seja, um crime - já expliquei em outros casos que todo crime é tipificado em lei. Para que uma conduta seja punível, ela precisa estar tipificada no Código Penal, por isso o termo "fato típico") em circunstancias que caracterizam o Estado de Necessidade, você não pode ser punido por esse "crime". Porque exclui-se a ilicitude, já que você só cometeu esse "crime" para salvar a sua vida.

Só não podemos confundir o estado de necessidade com a legítima defesa. Já que a legítima defesa é reação PROPORCIONAL em resposta a uma INJUSTA agressão. Ela sempre decorre de ação humana que representa perigo atual ou iminente (que está para acontecer). E o estado de necessidade ocorre em uma situação de perigo atual, mas que não necessariamente é causada por uma conduta humana, como no caso do livro que citei e do Holodomor.

Eu fiz esse paralelo com o direito penal, para explicar que as pessoas que praticaram o canibalismo durante o holodomor não deveriam ser punidas por isso. É bizarro ver as imagens do holodomor. Era comum ver pessoas caídas nas ruas, mortas de fome...

Eu encontrei a seguinte reflexão sobre o assunto durante a pesquisa: "os fatos do canibalismo e os transtornos mentais da fome mudaram o sistema de valores morais e éticos, as pessoas passaram a tolerar aquelas ações que até poucos meses atrás consideravam totalmente inaceitáveis. O fenômeno do canibalismo durante o Holodomor foi de natureza histórica e psicológica. O canibalismo não foi hereditário e como fenômeno acabou com o fim da fome."

Mas, voltando para a ordem cronológica do caso, em resposta a esse estado de calamidade, entre janeiro e junho de 1933, as autoridades centrais passaram a adotar medidas de auxílio a algumas das regiões atingidas pelo holodomor, porém, as iniciativas se deram de forma seletiva, tardia e insuficientes, já que a ajuda e alimentos não supriram as necessidades dos camponeses sobreviventes.

Houveram manifestações e resistência ao confisco dos alimentos por parte dos camponeses, e eles também davam um jeito de esconder os alimentos que produziam.

Infelizmente, as tentativas de sobrevivência ao genocídio do campesinato foram em vão. Os números de vítimas desse crime contra a humanidade são absurdos e abrangentes, nem o próprio governo ucraniano consegue apontar um número aproximado de vítimas, e por isso a discrepância entre 1,8 a 12 milhões de pessoas mortas pela fome e suas consequências.

Uma declaração conjunta das Nações Unidas, assinada por 25 países em 2003, declarou que ao menos 7 a 10 milhões de ucranianos morreram durante o período do holodomor. E segundo as conclusões do Tribunal de Recurso de Kiev em 2010, as perdas demográficas devida à fome correspondem a 10 milhões de pessoas, sendo cerca de 3,9 milhões de mortes por fome direta, e mais 6,1 milhões em decorrência de doenças causadas pela desnutrição e condições subumanas de existência.

Desde 2006, o Holodomor é reconhecido pela Ucrânia e outros 15 países como sendo o genocídio do povo ucraniano, decorrente das ações e omissões do governo soviético. Porém, essa afirmação ainda é matéria de debate académico.

Alguns pesquisadores acreditam que a Grande Fome da Ucrânia foi planejada por Joseph Stalin para eliminar um movimento de independência ucraniano. Outros sugerem que foi uma consequência da industrialização soviética.

Apesar desse tal debate acadêmico, o fato é que milhões de pessoas morreram! E um embate ideológico nunca deveria ser mais importante do que a vida de pessoas. Eu já havia prometido escrever sobre o Holodomor e essa semana o assunto passou a ser amplamente discutido por conta do vídeo publicado no canal Nostalgia do Felipe Castanhari.

E tirando a parte de que ele realmente deveria citar as fontes de pesquisa que usou para criar o "mini documentário" como ele mesmo intitulou, esse discurso ideológico-político sobre o assunto não deveria invisibilizar ou minimizar a morte de milhões de pessoas.

A coletivização da agricultura, ou seja, a apropriação de terras por parte do governo soviético trouxe consequências catastróficas para o povo ucraniano. E seja em decorrência da industrialização acelerada da União Soviética, ou em decorrência de uma política interna de extermínio dos camponeses por parte do governo soviético, o fato é que nenhuma dessas possibilidades justificam o holodomor.

Nada poderia justificar a rejeição de ajuda externa, o confisco de todos os alimentos domésticos, medidas repressivas e restrição da locomoção do povo ucraniano.

O holodomor foi um episódio inaceitável da história da humanidade e nada nem próximo disso deveria se repetir. Que a nossa humanidade e respeito por direitos fundamentais esteja a frente de qualquer discussão ideológica.

Nada pode justificar o extermínio de um povo!

Memorial Holodomor

Dica de  filme baseado no Holodomor

Sinopse: A Sombra de Stalin é um retrato de Gareth Jones, o jornalista galês que foi o primeiro a revelar a chocante verdade por trás da utopia soviética e do regime de Josef Stalin: o genocídio da fome na Ucrânia perpetrado em 1933 pela União Soviética.

📺 Onde assistir: @netflix

Fontes de pesquisa:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Holodomor

https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/holodomor.htm

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/stalin-nao-estava-interessado-em-salvar-pessoas-afirma-jornalista-vencedora-do-premio-pulitzer.phtml

https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/03/07/brasil-pode-reconhecer-holodomor-genocidio-ucraniano-ha-90-anos

https://ideiasradicais.com.br/holodomor-o-holocausto-que-nao-te-contaram/

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60348621

https://pt.wikipedia.org/wiki/Deskulakiza%C3%A7%C3%A3o


Conheça mais sobre o Holodomor

https://www.youtube.com/watch?v=aRPnem6Aon8&ab_channel=Hist%C3%B3riadomundo

Vídeo do Canal Nostalgia

https://www.youtube.com/watch?v=LmShtQMtciI&t=41s&ab_channel=CanalNostalgia


Livro "O Caso dos Exploradores de Caverna"

https://www.amazon.com.br/caso-dos-exploradores-cavernas/dp/8520458599/ref=asc_df_8520458599/?tag=googleshopp00-20&linkCode=df0&hvadid=379765738259&hvpos=&hvnetw=g&hvrand=14148849614336129561&hvpone=&hvptwo=&hvqmt=&hvdev=c&hvdvcmdl=&hvlocint=&hvlocphy=1001716&hvtargid=pla-809950560169&psc=1


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Por Thainá Bavaresco.

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